Armênio nasceu no dia 30 de maio de 1918, em Mucugê, na Bahia. Foi-se em 12 de março de 2015. Tenho em minhas mãos, agora, os textos de um livro a ser publicado em homenagem ao seu centenário. Trinta e três, escritos por amigos seus de verdade, a mim destinada a tarefa de organizá-lo.
Aproximamo-nos fisicamente nos anos 80, embora - é óbvio - eu soubesse dele e de sua existência, como esperança de um futuro melhor, desde bem jovem.
Tenho estórias e histórias a contar de minhas conversas com o Tio, como o chamavam seus companheiros de exílio, embora Cecília, sua mulher, minha amiga, tenha passado a vida toda chamando-o de Júlio! O Tio corrigindo e emendando artiguinhos que escrevi para serem publicados na Gazeta Mercantil e minhas confidências de irmão.
Depois, durante o tempo todo no qual exerci a magistratura seu olhar, iluminado pela phrónesis de Aristóteles, inspirou-me. Nada de ciência, apenas prudência. Armênio iluminou o voto que proferi, como relator, no processo no qual se discutia a amplitude da anistia. Conversamos muito, longamente. Ele me conduziu em direção ao correto. Curiosamente, sempre o tive como um irmão, embora ambos, ele e meu pai, tivessem nascido em 1918 e em 1916, nos meses de maio de então.
Quando se foi, escrevi um pequeno texto no qual afirmei que era como se então eu corresse os olhos, dominando o tempo, por inúmeros instantes do passado. Em Paris, em minha casa em Tiradentes, em São Paulo. Armênio ensinando o futuro a minha filha. A mim recomendando prudência, mais de uma vez.
Lá se fora meu amigo mais sereno. Seu olhar desdobrava esperança e paz. Revolucionar o mundo, construir a fraternidade, mas em paz, harmonia e paz. Alguns amigos em volta do seu corpo, de repente o chão se abrindo para que a matéria fosse levada para sempre. Antes, durante breves instantes, confraternizamo-nos. Estivemos mais próximos do que nunca, entre nós e a ele. Uns foram capazes de dizer algumas palavras. Faltaram-me forças para mencionar o quanto meu velho camarada me ensinou, para ao menos sussurrar a palavra amizade. Alguém trouxera, para ser reproduzida, a gravação de uma canção que, naquele verso - nesta luta final -, ressoa em nossos corações.
Lá se fora o corpo de Armênio. A esperança refletida no fundo de seus olhos serenos restava, no entanto, entre nós. Iluminando os caminhos a serem experimentados pelos que ainda lá estavam. Um dia por certo nos reencontraremos naquela cidade de férias, férias boas que não acabam mais - como dizia outro nosso camarada no Partidão, o Álvaro Moreyra.
Se me perguntarem o que me une ao Armênio e ao velho Marx (que completaria duzentos anos este mês, se estivesse ainda por aqui), direi que é a Amizade. Nós quatro - meu pai, Marx, o Tio e eu - a cultivaremos em algum lugar do Espaço, para sempre.